O RITMO DO POEMA

O RITMO DO POEMA

Não, não se engane. Não é por terem os poetas modernistas conquistado o direito de escreverem em versos livres (sem métrica) e brancos (sem rima) que poetar se tornou fácil a ponto de qualquer um virar poeta. Não se iluda: muito do que se encontra por aí recebendo o nome de poesia, poesia não é; é prosa picotada em versos, sem ritmo, sem rumo, sem imo.

Nascida para ser cantada ao som de instrumentos musicais, ao se separar da música a poesia precisou encontrar recursos que garantissem sua beleza sonora. Desde então rima e métrica são importantes soluções para a obtenção do ritmo do poema, embora não sejam os únicos. O “jogo” das sílabas tônicas, dos fonemas iguais ou semelhantes, da repetição, da pontuação, entre outros expedientes, são igualmente importantes.

Ritmada, a boa poesia soa como música e tem beleza bastante para arrepiar a pele e/ou descompassar o coração. Ainda que lida silenciosamente, o leitor atento perceberá seu aparato melódico, sonoro, pois nossa memória auditiva capta a articulação das palavras do texto, o modo de pronunciá-las.

O poema abaixo, de Roberto Silva, ocorre-me como delicioso exemplo de poema bem orquestrado em que ritmo e conteúdo se fundem num todo que, simultânea e paradoxalmente, é singelo e grandioso:

 

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Observe que o poeta inicia com uma reflexão sobre a possibilidade de fazer um poema (“Se eu fosse…”), não como se já estivesse a construí-lo. O poema, entretanto, que seguimos a ler, é justamente aquele pretendido, cujo ritmo se iguala ao do coração do poeta (“No compasso/ Em que meu/ Coração bate”), o que justifica o título escolhido.

A escolha do nome da menina, por outro lado, é o grande “achado” do poeta, pois o apelido “Táti” se aproxima sonoramente de “bate” (do coração) e até do tic-tac do relógio que, embora não apareça no poema, evoca-se como símbolo da passagem do tempo relacionada ao próprio pulsar do coração.
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Assim, “Táti,/ Táti,/ Táti,/ Táti…” é uma referência ao compasso do coração (como se o poeta dissesse “Bate, bate, bate”), mas principalmente à motivação para que seu coração bata: a existência da menina Tatiana que imprime ritmo – e sentido – à sua existência.
Como é essencial para o poema a aproximação sonora entre “bate” e “Táti” é que o poeta opta por concluir o quinto verso com o verbo. Caso invertesse a ordem e dissesse “No compasso/ Em que bate/ Meu coração”, a repetição do apelido da menina perderia muito da força sonora que tem, o que talvez exigisse um nome terminado em “ão”, como Conceição, por exemplo, que até poderia justificar o fôlego de vida do poeta, mas não teria a força graciosa do apelido “Táti” como marco das batidas de seu coração.
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Além da rima entre “bate” e “Táti”, das repetições da vogal tônica /a/ e do nome da menina, ajudam a construir o ritmo do poema os versos curtos utilizados que desde o início instalam a cadência do coração.
O poema pode parecer simples, mas seu ritmo – essencial – foi estratégica e sabiamente construído, o que distancia este verdadeiro poema daqueles que poemas não são. 
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Roberto Silva é paulistano, mas percorre há algum tempo as paragens mineiras. É formado em Violão pelo Conservatório Estadual de Música de Varginha e graduado em Letras pela UEMG-FEPESMIG, onde também se especializou em Língua Portuguesa. A especialização em Literatura Brasileira foi feita pela PUC-BH e uma terceira, em Docência em Educação à Distância, pelo UNIS-MG, Varginha. Já comentei outro poema dele aqui.
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Beijo&Carinho,
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32 thoughts on “O RITMO DO POEMA”

  • Jussara:
    Concordo em grau, gênero e número com você (rsrsrsrs).
    Hoje em dia, o que mais aparece são os "poetas" de plantão.
    A cada clic, a gente encontra textos que nada tem de poema ou poesia.
    É só ler a poesia que você deixou como exemplo, para entender que é preciso além de técnica, muita sensibilidade.
    E isso, só os verdadeiros poetas possuem.
    Boa semana!!!!
    Bjs.:
    Sil

  • Oi, Ju,

    Você falou tudo! (para "variar", rsrs). Hoje mesmo esta idéia da,
    digamos, cadência do poema, me passou pela cabeça, porque estive organizando uns livros, agora à tarde, e entre eles estava o Nas invisíveis asas da Poesia, de John Keats. Neste livro há os poemas na língua original numa página e a tradução na outra, então fica fácil ver que, na traudção, o poema perde a cadência e com isso, talvez, uns 40% da graça.
    Já o poema do Roberto Silva é curtinho, musical e cheio de significado, gostei!

    Beijo e boa semana, querida!

  • QUANDO EU ESTAVA NO PRIMEIRO COLEGIAL, NOSSO PROFESSOR LUIZ CARLOS, DE PORTUGUÊS, ENSINOU A FAZER POEMAS E POESIAS COM CONTAGEM DE SÍLABAS TÔNICAS.
    AH, COMO EU GOSTEI. GOSTEI TANTO QUE ATÉ HOJE COSTUMO FAZER. DÁ UM EQUILÍBRIO INCRÍVEL À LEITURA. ESSES TEXTOS RÍTMICOS SÃO SUPER LEGAIS. EU GOSTO DEMAIS! 🙂
    TENHA UMA LINDA NOVA SEMANA, CONTERRÂNEA.
    AH… OBRIGADA PELO CARINHO E COMENTÁRIOS SEMPRE VIVOS. 😉
    ABRAÇÃO PROCÊ, UAI!

  • Ju perfeita colocação sobre o poema, a poesia! Sempre afirmo que adoro escrever e estou aprimorando, mas coloco em ênfase que são escrevinhamentos, palavras soltas. Pois acredito que fere a um escritor, um poeta, saber que tudo que se escreve hoje, muitas vezes sem sentindo, ou precisando ser melhor acabado, se classificar como poesia, como livro…

    Adorei sua explicação.

    Beijo enorme!
    Paz no coração.
    Lorena Viana

  • Oi Jussara querida

    Que bela lição voce nos deu, eu adorei saber mais sobre o assunto.

    Esse poema do Roberto Silva ficou lindo.

    Jussara, voce diz que seus filhos querem que faça os passarinhos que estão no

    meu blog. Caso não tenha o molde, mande seu endereço por email e lhe mandarei

    pelo correio.

    Meu email é: rcoseixas@gmail.com

    beijo carinhoso

    Regina Célia

  • Olá, minha primeira professora
    Aqui está um autodidata
    Que compõe os seus versinhos
    batucando na lata.

    De formação não sou nada
    Apenas,um eterno aprendiz
    Que escreve e até publica
    O que o coração diz.

    Gostaria de ouvir
    De você, a minha mestra
    Se a técnica é o que importa
    Ou a emoção conduz a destra?

    Dizem que sou poeta…?
    Mas poeta é só apelido
    Eu apenas escrevo versos
    Eu sou mesmo um atrevido!
    Tenho dito!
    _________________________

    Obrigado por mais esta aula magistral.
    Um abraço.

  • Querida Jussara,

    Sinto-me extremamente honrado com este impagável carinho: a publicação de meu Cardiopoema à luz de sua sempre competente leitura.

    Como já lhe disse, esse é um dos meus poemas de que mais gosto. O motivo é simples, e você trabalhou justamente em cima dele: a singeleza e a musicalidade. (Meus triunfos. Rsrs…)

    De fato, o apelido Táti foi meu grande "achado". A partir dele, "tudo" brotou como em um "insight". (Apenas o título e a forma foram cerebrais.)

    Ao ler seu texto, senti a mesma alegria que sentia quando menino ao conseguir alçar minha pequena pipa lá no alto, no mais azul do céu.

    Obrigado por tudo, e mais isto: por você alçar meu pequeno poema lá no alto, no mais azul da Poesia.

    Abraços,
    Roberto

  • Eu já não disse que a sala de aula não sai de dentro da professora? Excelente texto, adorei! Há também o oposto dos que acham que qualquer amontoado de frases é poema, os que acham que basta rimar para fazer poesia. Esses são mais perigosos ainda, porque a pessoa (amiga) vem me mostrar toda feliz os 'poemas' que fez esperando por minha opinião positiva e… acho que minhas expressões desmentem qualquer coisa que disser. Nem todos nascem Jussara Neves Rezende.

  • Cada vez que venho aqui aprendo um pouco mais… outro dia estava lendo aquele que falava da diferença entre erotismo e pornografia… descobri que li muita pornografia viu ?? rsrsr

    Amo aprender, e se a professora for boa, a gente aprende mais fácil !!!

    Bjus 1000 lindona

  • Jussaaaara!!!
    Quanto tempo!!! :O

    Mulher, tô vendo se volto pro blog! rsrsrsr
    Sentindo tanta falta de vocês! *-*
    Hoje já fiz uma postagem e visitei algumas colegas, e aqui estou eu pra te dizer um oi! x}

    Que Deus abençoe sua semana, querida!!!
    Tudo de bom!!! 😉

    :***

  • Oi Jussara, é a Vi, daqui uns dias, posso prestar vestibular de novo, pois com suas aulas, com certeza vou arrasar, interessante,que não sei se quando jovem não aprendi essas coisas, porque não ensinaram ou se eu ficava muito distraída na bagunça da sala..
    O importante,agora consigo entender, com clareza suas explicações.
    Muitos beijos,Vi

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