“CACOS DA MEMÓRIA”, DE JOÃO ANTÔNIO VENTURA – IMPRESSÕES SOBRE A OBRA

“CACOS DA MEMÓRIA”, DE JOÃO ANTÔNIO VENTURA – IMPRESSÕES SOBRE A OBRA
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Cacos da memória. Rio de Janeiro: Edição de autor, 2008.
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Toninho tinha apenas seis meses quando seus pais, imigrantes portugueses no Rio de Janeiro, resolveram voltar à terra natal. Sua infância, portanto, passou-a numa aldeia portuguesa – Minas do Palhal – na qual a família viveu por dez anos antes de retornar definitivamente ao Brasil, em 1957.

As lembranças desse tempo é que compõem esses deliciosos cacos da memória que, como o nome sugere, reconstituem fragmentos de episódios vividos, recuperados ao capricho da memória e dependentes, muitas vezes, da “cola da imaginação” para restaurá-los ou “preencher lacunas”, ainda que a essência dos fatos permaneça inalterada.

O processo de resgate de sua infância é deflagrado, segundo o autor, numa viagem ao interior de São Paulo, quando se depara com uma menina e seu guarda-chuva, caminhando com o ar de quem tem perfeita ciência de sua elegância, com seus sapatos de verniz “estalando de novos”. Esses sapatos levam o João Antônio ao Toninho e ao seu desejo de possuir sapatos de homem, não mais sandálias de menino.

Comprados para serem usados em sua 1ª comunhão, os “sapatos de verniz, reluzentes”, do Toninho, conferiram ao menino a importância que, anos mais tarde, ele irá identificar na menina do guarda-chuva: “Tive a impressão que todos admiravam os meus sapatos de verniz!”

O que Toninho não sabia “é que sapatos novos costumam magoar os pés” e o caminho de ida e de volta à missa foi o bastante para que ele voltasse mancando… Pronto: os cacos começam a se juntar!

O leitor é levado, assim, a acompanhar artes e invenções do Toninho numa linguagem bem humorada em que não são raros trechos poéticos e belas metáforas, bem como o uso de expressões próprias do português de Portugal, devidamente “traduzidas” para o “brasileiro” ao fim de cada fragmento narrado.

Personagens, animais e festas da aldeia, a dor causada pela palmatória, a fartura – que “era a ausência da falta” – as vindimas, as “histórias ao pé do lume”, muitas delas envolvendo bruxas e lobisomens… As experiências de Toninho tornam-se as experiências do leitor, tal a leveza de seu texto, sua naturalidade e o verdadeiro encanto que despertam suas memórias.

A isso se acrescenta a beleza das ilustrações do autor – elas também um resgate de memórias visuais – que permeiam a obra e a tornam ainda mais encantadora.

Lembra as memórias de Menino de Engenho, de José Lins do Rego? Cacos de memória, de João Antônio Ventura, pertence ao mesmo gênero. Sua linguagem em nada fica a dever à do consagrado autor e os episódios narrados são, a meu ver, muito mais doces e edificantes que os da obra do escritor paraibano.

Pelo que acima vai dito, fica evidente o quanto a obra me agradou e o quanto desejo sabê-la lida e amada por mais pessoas, especialmente nas escolas que hoje reúnem meninos tão cheios de brinquedos e tão vazios deles, tão necessitados, sem saberem, de – à falta de experiências ricas como as de Toninho – ao menos viverem, pela literatura, o que a vida já não lhes oferece viver.

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Moinhos da Freirôa, Rio Caima – Região em que o autor viveu na infância

 

 

Uma das ilustrações da obra
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O autor, João Antônio Rodrigues Ventura
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Licenciado em Pedagogia e Educação Artística, João Antônio Ventura ingressou na Aeronáutica em 1965 e ali exerceu a função de desenhista até 1995, quando deu baixa como 1º tenente. O Toninho dos Cacos é hoje o Vô Tônico, do blog do mesmo nome.   
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Beijo&Carinho,
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41 thoughts on ““CACOS DA MEMÓRIA”, DE JOÃO ANTÔNIO VENTURA – IMPRESSÕES SOBRE A OBRA”

  • Jussara, acabo de chegar do aniversário da Yasmin Júlia (9 anos),outra menina que me inspira e que me adotou como avô, e ainda estou sob o impacto do que li no seu texto, portanto não sei bem o que dizer-lhe em agradecimento, só isto: amei tudo que disse!
    Foi muito mais do que poderia esperar. Contudo, em se tratando de você, com o preparo que tem e completa ausência de outros interesses, nem a mínima obrigação de agradar-me – não duvido, acredito em tudo que disse.
    Ainda vamos falar mais de "Cacos", mas por ora quero dizer-lhe que o primeiro impacto foi com a primeira ilustração com os moinhos da Freirôa (que não cheguei a conhecer), onde reconheci de imediato o rio Caima, sem ter lido ainda a legenda. Hoje bastante desfigurado, aquele rio da ilustração é o Caima da minha infância, aquele que está na minha memória – é o "rio que passa pela minha aldeia". Uma das coisas que gosto muito no seu blog é o cuidado primoroso com que trata as ilustrações dos seus textos e todo visual do Minas de Mim. Agora vou dormir, Jussara, um grande abraço.

  • Boa tarde amiga Jussara!!!
    Seu resumo já me fez começar a pensar nessa história linda.
    Parabéns por ajudar a divulgar livros. Isso é ótimo!!!
    Aproveito para desejar uma nova semana repleta de felicidade e bençãos!!!
    Bjokas…da Bia!!!

  • Olá Jussara,
    Vim até aqui retribuir sua visita e conhecer-te. Foi muita surpresa encontrar esta postagem, pois estou em Portugal, na casa de uma amiga portuguesa, no Ribatejo, cidade de Tomar. Por cá, a cidade é banhada pelo rio Nabão.
    Muito linda sua postagem homenagem ao João Antônio.
    Beijos, Norma – Jeito simples de ser

  • Jussara:
    No comentário que fez em "Boné amarelo" você diz que espera não ter cometido algum engano e que eu aprecie. Apreciei muitíssimo! Houve um engano sim, talvez mais por deficiência da minha narração em "A menina do guarda-chuva…", pouco circunstanciada, do que por distração sua.
    Vi a menina do guarda-chuva não em Portugal, mas no Brasil, ao visitar o amigo que não via há mais de vinte anos. Na cidade de Cunha – SP. Essa cidade fica na serra entre Paraty, no litoral, e Guaratinguetá, no Vale do Paraíba do Sul – onde servi por vários anos na Escola de Especialistas de Aeronáutica. Foi nesse tempo que conheci e fiz amizade com Vavá.
    Escrevi o livro, basicamente, para meus filhos e sobrinhos e todos sabiam que eu vivera por vários anos naquela região, daí talvez o meu descuido de não circunstanciá-la devidamente. Desculpe a indução ao equívoco.
    Boa noite. Abraços.

  • Ah, mais uma observação: aquela igrejinha da ilustração é a tal aonde fui assistir missa só para mostrar os meus lindos sapatos de verniz. Agora está restaurada e serve de morgue para o cemitério ao lado. Naquela ocasião havia sido destruída internamente por um incêndio, mas eu não registrei o fato na minha memória – só tinha olhos para os meus sapatos de verniz. Sobre isso escrevi um post no Vô Tônico: "Um caco esquecido".
    Abraços.

  • Olá, Jussara! Vim te visitar, para retribuir sua visita em meu blog e agradecer por suas. Também te escrevi um e-mail. Parabéns pela ótima resenha! Considero boa uma resenha quando ele me incita a correr comprar o livro! rs. E realmente fiquei com muita vontade de ler Cacos da Memória. Li um livro recentemente sobre imigrantes portugueses, mas de outro tipo: Rio das flores, de Miguel Souza Tavares. Você já leu? Também vale muito a pena. Bjs e boa semana!

  • Jussara,
    Esse livro deve ser delicioso mesmo de ler. E agora com essas correções do autor para vc, vi que deve ser bem autobiográfico mesmo. Ótima resenha essa sua, nos leva até Portugal e ficamos intrigados pelos sapatos de verniz do autor!
    Beijos
    Adriana

  • Jussara, como é bom vir aqui… Não conhecia o autor, mas pela sua resenha o livro deve ser ótimo. Acho que independentemente do João ter sido inspirado pela Serra de Paraty ou de Portugal, deve ter sido muito rica suas andanças e lembranças; a obra deve ser muito rica mesmo.
    bj linda semana
    yvone

  • Oi Jussara!
    Agradeço tua presença tão gentil e amável, no meu cantinho.
    Ótima resenha, gostei muito, a forma com que colocas as palavras, simples, serenas, e com tanto realismo e evidência, que nos deixa com gostinho de "quero ler". É o tipo de leitura que nos faz refletir, por conter experiência de vida em seu conteúdo.
    Obrigada pela dica de leitura e parabéns ao autor João Antônio Ventura, pela belíssima obra!
    Um grande abraço, e abençoada semana! o/

  • Foi através da minha amiga Dra. Nélia Oliveira e companheira de escrita a duas mãos no estudo monográfico "Ribeira de Fráguas – a sua história", 2010, que conheci o livro "Cacos da Memória", como profundo conhecedor da historiografia local, fiquei fascinado com a assertividade que o meu amigo João António Ventura colocou no seu livro, que, ele, teve a amabilidade de me enviar um exemplar para Portugal. Muitos dos locais mencionados na referida obra literária, ainda estão tal como ele os viu pela última vez. O rigor sociológico, diria, etnográfico, estampado neste livro é deveras incomum, particularmente para quem nunca mais visitou a aldeia na qual passou parte da sua mocidade e que, nota-se na fluidez da leitura, o marcou de forma indelével. Abraço, João.

  • Oiiiii querida, que lindas imagens e pela sua descrição o livro parece muito bom e que bacana os adendos e comentários do próprio autor.
    Grata pela sua visita, seja sempre bem vinda!
    BjoBjo;)
    Celina Alves
    Luxos e Luxos

  • Jussara querida

    Quero te agradecer pelo lindo comentário, no meu blog, eu adorei muito.

    Quanto ao post de hoje, adorei toda a narrativa, e fiquei muito curiosa pra ler o livro.

    Adoro tudo que diz respeito ao Brasil e Portugal, terra dos meus avós maternos.

    beijo carinhoso

    Regina Célia

  • Oi Jussara,
    Os marcadores são lindos mesmo, não são difíceis.
    Quanto ao crochê, mesmo sendo simples – como o marcador – também não posso dizer o mesmo!rs
    A luva é linda, mas eu preciso cobrir os meus dedos, aquela é puro charme 🙂

    bjs,obrigada e ótimo feriadão também!

  • Oi, Ju,

    Oh, minha querida amiga, este post não apareceu para mim, na relação de feeds do blogger. Cheguei por cá numa busca feita pelo Google, rsrs.
    Fiquei com muita vontade de ler este livro, que parece ser bem do gênero que aprecio, que são as memórias contadas de forma natural e fluida. A frase, "fartura, que era a ausência da falta" é ótima e me evocou uma outra de Henry David Thoreau, que diz mais ou menos assim: "estive numa grande loja e fiquei impressionado por constatar de que não necessito de nada do que é vendido lá", rsrs. Se encontrar este livro vou lê-lo com certeza.

    Beijocas!

  • oi Jussara
    e o comentário do autor complementou a resenha
    eu conheço a cidade que ele se referiu
    meu marido estudou 2 anos nesta escola em Guara
    que máximo ele escrever para seus filhos e netos
    e que lindos relatos de vida
    e com fotos lindissimas
    bjs
    lu

  • Como faz falta aos meninos de hoje, a história de ontem…Quem terá ricas lembranças para guardar? Deus abençoe, aqueles que a dividem com seu talento, como João Antonio e a você por nos indicar!
    Tenha um final de semana iluminado!
    Beijinhos, Ana

  • Nobre Ventura,
    Belíssimo o seu escrito/relato/memória/lembrança. Uma viagem … bom olhar o "retrovisor" e poder curtir/observar, bons momentos, enquanto prosseguimos numa cadência tranquila na estrada da vida. DEUS continue iluminando, intensamente, sua vida e sua família. Bom ter desfrutado da sua convivência, na fase laborativa, na nossa FAB. Nesta nova fase prossiga feliz! fraterno abraço. Claudio Pessanha.

  • Oi Jussara
    "Cacos de Memória" , não conhecia o escritor . Mas nas suas mãos os defino de pingos de cristais capturados pela sua habilidade em fazer resenhas, mais uma das suas marcas registradas.
    Estou lendo com o carinho que você merece navegando nas postagens anteriores . Eclética , não só na literatura ,também fico encantada com as suas artes manuais .
    Volto.
    Uma linda semana de luz para você.

  • Po pai,

    fiquei orgulhoso de ser seu filho huahua Muito bom os comentários, muita gente se interessou.

    " O rigor sociológico, diria, etnográfico, estampado neste livro é deveras incomum, particularmente para quem nunca mais visitou a aldeia na qual passou parte da sua mocidade e que, nota-se na fluidez da leitura, o marcou de forma indelével."

    Gostei muito dessa citação. Estou na faculdade estudando um pouco sobre metodologia científica, e a professora fala muito sobre o rigor sociológico e etnografia tb. Achei bacana esse comentário de um especialista sobre seu livro. Vou relê-lo agora nessa ótica, para tentar pegar essas nuanças que passaram-me despercebidas.

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