SOBRE QUEM FOI FLORBELA ESPANCA

SOBRE QUEM FOI FLORBELA ESPANCA
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A revelação da poetisa portuguesa Florbela Espanca aconteceu numa época em que muitas mulheres escreviam em consequência do incentivo que os jornais e “revistas de senhoras” representaram no período entre séculos. Embora nem todas tenham feito uma literatura combativa, sobressaíram os textos em que as mais audaciosas transgrediram as regras vigentes ao buscarem, mediante uma nova linguagem e um novo repertório temático, questionar o padrão estabelecido pelos homens, tanto na sociedade quanto na arte.
Florbela costuma ser considerada precursora dessa nova consciência literária que se desenvolveu ao longo no século XX, caracterizada, segundo Lopes e Saraiva, pela “afirmação da livre intimidade da mulher”.
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Pintura de Victor Ribeiro
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Criada de forma espontânea e independente por um pai artista, livre pensador, Florbela e seu irmão tiveram desde cedo acesso aos livros e à arte. Isto talvez explique a audaciosa determinação desta mulher que rompeu padrões ao estudar em uma escola masculina, matricular-se num curso de Direito frequentado por apenas outras seis mulheres – entre trezentos e treze estudantes – e ao ousar falar do corpo e do amor de uma forma surpreendente para a época.
Florbela escreveu seus primeiros versos ainda na infância. Aos dezenove anos, já casada pela primeira vez, começa a pensar na publicação de seus poemas. Enquanto vivia o fim de um casamento e o começo de outro, Florbela fazia contatos e projetos poéticos. Suas leituras e interlocuções lhe forneciam diferentes imagens de si mesma num momento em que desesperadamente se buscava para saber qual o seu lugar num mundo explicado pelos homens.
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Pintura de Madalena Lobão
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É em Charneca em flor, livro publicado após sua morte, que Florbela encontra o seu jeito de se dizer, cantando o triunfo de ser diferente e retratando-se como ser sensual numa atitude por vezes amoral, pagã, contra as convenções.
As reflexões da poetisa, registradas no diário iniciado em seu último ano de vida, indicam o estado de solidão em que estava mergulhada.
Embora envolvida em um terceiro casamento e no projeto de publicação de Charneca em flor, doente e deprimida Florbela falece em Matosinhos na noite de 7 para 8 de dezembro de 1930, enquanto dormia profundamente graças ao excesso de calmantes que tomara. Como Florbela fazia normalmente uso desses medicamentos, não há como afirmar ao certo se sua morte se deveu a um acidente ou se foi mesmo suicídio. A favor desta última hipótese está o fato de sua morte ter ocorrido exatamente na noite de seu trigésimo sexto aniversário, o que sugere uma espécie de ritual, conforme percebe Maria Lúcia Dal Farra.
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Pintura de Luísa Caetano
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Quando ela morre, Charneca em flor está no prelo. O editor, interessado em obter retorno financeiro do que investira na publicação, sugere que a leitura da obra poderia explicar a razão da morte da poetisa. Acaba estabelecendo, desse modo, uma relação mecanicista entre vida e obra, apropriando-se ideologicamente de ambas e dando início à polêmica que cercou o nome de Florbela após sua morte.
A contra revolução de 1926 havia dissolvido grupos feministas e progressistas que passaram a enxergar Florbela como uma voz a se rebelar contra a tradição. Segmentos ditatoriais, entretanto, passam a denegrir a imagem da poetisa apresentando-a como suicida, marginal, incestuosa, ninfomaníaca e quanto mais pudessem inventar a fim de que a leitura de seus versos fosse desestimulada. Em consequência disso, por vários anos um busto da poetisa, em mármore, não pôde ser colocado no jardim público de Évora, permanecendo escondido no porão do museu da cidade.
Para desmentir tais boatos talvez bastasse o conhecimento do teor de certas cartas guardadas por Júlia Alves, amiga da escritora. Numa delas Florbela afirma acreditar que o casamento era uma “coisa revoltante” pela “brutalidade da posse”. Não é um pensamento incongruente numa ninfomaníaca? Esse modo de pensar não a impediu, entretanto, de criar versos que anunciam um amor “aqui”, “além”, totalmente fora dos convencionais padrões de amor eterno que a sociedade tradicional pretendia que fossem os verdadeiros.
Em Charneca em flor, seus versos de amor sensual marcam de forma inédita e inegável o momento em que a mulher começa a falar do próprio corpo e a questionar seu lugar e seu papel no mundo.
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Pintura de Paulo Salvador
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Beijo&Carinho,
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28 thoughts on “SOBRE QUEM FOI FLORBELA ESPANCA”

  • Oi, Jussara…
    Faz tempo que eu queria saber mais sobre Florbela, e vc me fez esse favorzinho que adorei!
    Em poucas palavras e de forma clara, disse tudo que precisamos saber.
    Ela já revolucionou por se casar 3 vezes, já que naquela época, a mulher era praticamente uma escrava do marido. Tenho a impressão que ela nasceu na época errada, muito além daquela data. Talvez se fosse desses dias de hoje, não faria assim tanto sucesso… não sei. Não é tudo que leio dela que gosto… Acho que é uma questão de gosto pessoal mesmo.
    Mas amei seu texto!

    Beijos e um ótimo fim de semana!

  • Oi Jussara, é a Vi, momento da alienada: todas vezes que lia o nome da Florbela associava a uma mulher que tinha apanhado muito do marido, por causa do Espanca, nunca me dei ao trabalho de ler a biografia e nem os livros dela..
    Mas pelos retratos dela se percebe uma mulher triste, devia ser depressiva, ansiar por algo que não conseguia ter..
    Não se encaixar nos padrões de uma sociedade pode causar muito sofrimento, a própria pessoa vive em uma angustia profunda ser saber se esta certa ou errada, e busca um escape, dormir, enlouquecer e até morrer.
    Gostei de conhecer um pouco dessa mulher.
    Muitos beijos,Vi

  • Há muito tempo comprei um livro de poesia dela e me encantei com sua obra, muito tempo depois eu fazia faculdade de letras e fizemos um trabalhos sobre sua obra. Há muito tempo Florbela me acompanha.
    Um post maravilhoso.
    Bos e tenha uma semana iluminada.

  • Jussara,

    Detesto jargões, mas, ao se falar de Florbela, eis uma mulher – não digo nem à frente, mas muito além de seu tempo. Sanguínea, visceral, extrema, ultimata.

    Entre os "softs", adoro "Quem vestiu de monja a andorinha?" Acho lindo isso. A meu ver, esse verso permite-nos refletir a respeito do papel da própria mulher em nossa sociedade: como ser monja se se é andorinha, isto é, uma ser livre com múltiplas possibilidades.

    Abraço meu,
    Roberto.

  • Jussara, que delicia de post e quanta informação. Não conhecia a escritora e nem ao menos sabia da sua importância, já que sem dúvida nenhuma era uma mulher anos luz a frente do seu tempo. Vou procurar o livro pq acho que vou gostar.
    Obrigada por compartilhar. Seu pai melhorou? Você esta bem?
    bj yvone

  • Boa noite Jussara
    Pensamento lindo para vc…

    "Nunca existiu uma pessoa como você antes, não existe ninguém
    neste mundo como você agora e nem nunca existirá.
    Veja só o respeito que a vida tem por você.
    Você é uma obra de arte — impossível de repetir,
    incomparável, absolutamente única."

    Osho

    fique com Deus
    Bjinhoxx ✿◠‿◠)✿
    /(.”)__☆
    /||
    _||_
    http://www.coisasdeladdy.com

  • Jussara querida, super parabéns pelo post, noossa eu amei, de verdade. Um artigo sério e cultural na internet é um tesouro nas mãos, obrigada, não conhecia a biografia dela, vou aparecer mais por aqui, vontade que não falta amiga, falta mesmo é tempo, acredite, estou saindo agora para trabalhar, em pleno domingo, são 545 as 6h eu saio, mas em dezembro entro em férias, aí terei mais tempo, seja sempre bem vinda, bom domingo, flor!

  • Bom dia Jussara (aqui são 9:31)

    Que interesssante (e delicioso de ler) esse seu relato sobre Florbela Espanca. Sempre q vejo reportagens, artigos de mulheres q estavam a frente de sua época, ou melhor, que viveram em um tempo q o sexo feminino era considerado inferior, eu sinto uma sensação de que eu 'as conheci', de q elas fazem e fizeram parte de minha estória. Como eu admiro mulheres inteligentes, sensíveis e corajosas que ousaram tentar, e quebrar essa barreira, esse preconceito.
    As pinturas são lindas, principalmente a de Victor Ribeiro.

    ps.: concordo com você, é ridículo brasileiro querer copiar tradição e cultura – isso não se copia, é impossível, é irreal.
    Não sei se você notou, mas não falo em Halloween em meu blog pq fico irritada qdo vejo blogs brasileiros incentivado isso. Gosto de Halloween tbém, aprendi a curtir a alegria das crianças, principalmente as pequenininhas, qdo celebram essa tradição. Mas é uma tradição americana e não tem nada com a realidade e tradição brasileiras.
    Olha, seria um prazer ter você aqui para celebrar o Thanksgiving conosco 🙂

  • Oi Jussara, é a Vi, passei rapidinho para tomar um café e comer uma broa de milho…
    'SENHOR, tu me sondaste, e me conheces.
    Tu sabes o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento.
    Cercas o meu andar, e o meu deitar; e conheces todos os meus caminhos.
    Não havendo ainda palavra alguma na minha língua, eis que logo, ó SENHOR, tudo conheces.
    Salmos 139:1-4'
    Boa semana,beijos,Vi

  • Oi! Roseana é gente boa! Devo vê-la mais vezes pois meu marido está musicando seus poemas. E breve um cd será lançado, te aviso. Não se preocupe com essa coisa de plágio de blog não! O bacana da internet é isso, é todo mundo poder acessar, copiar e pronto. Afinal, já imaginou se a Florbela espanca e seus herdeiros exigissem direitos pelo fato de ser citada? Tudo o que a gente faz é fruto de muitas leituras, pesquisas, pensamentos alheios. Deixa rolar! a vida fica mais leve. É bacana quando lincam, mas se não, ninguém está tirando nada de ninguém. Bem, pelo menos é assim que penso. Já vi texto meu rolando na net atribuido a autor muito mais importante que eu, vê se pode!:-))) O pior é quando colocam na nossa autoria sandices. As coisas que colocam no nome do Veríssimo e da Clarisse Lispector.. coitados! 🙂 De onde de Minas você é? não encontrei o local da Faculdade machado que você cursou, só seu doutorado e mestrado! Seríamos vizinhas? moro em Itamonte! bjs!

  • Oi Jussara,
    Eu adoro os poemas da Florbela, pois acho que ela transmite uma sensualidade suave, própria das mulheres.
    Eu ainda não fotografei os mimos que ganhei de vc, pois meu braço direito ainda não tem todos os movimentos, mas não me esqueci e assim que puder fotografar, colocarei no FB.
    Beijos 1000, tenha uma noite maravilhosa.

    GOSTO DISTO!

  • Uau que mulher foi Florbela, sinceramente nunca tinha ouvido falar, mas adorei a história, apesar de um pouco triste morreu muito cedo né, ainda bem que fez história, é assim como não recebo seu feed eu demoro a vir aqui um pouco, mas tb deixo uma aba do blog aberto para ir trabalhando e lendo um pouquinho de tudo que perdi por aqui, assim como não ando lendo livros, vou me intelectualizando por aqui.

    bjs

    Gélia

  • Puxa Jussara, não brinca, vc é daqui tão pertinho!?! Que fantástica essa internet! Rsrsrsrsrsrs. Tenho um grande amigo em aí em sua cidade, o Jamar Muniz. Numa próxima visita a esta cidade quem sabe nos esbarramos?
    Um grande abraço, saúde e paz interior.

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