“A COSTA DOS MURMÚRIOS” – EXPERIÊNCIA DE LEITURA

“A COSTA DOS MURMÚRIOS” – EXPERIÊNCIA DE LEITURA
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Terminei na última semana a leitura do romance Costa dos murmúrios, da escritora portuguesa Lídia Jorge.
Trata-se de uma história cujo começo não é onde parece ser, funcionando esse princípio como uma espécie de resumo, cheio de lacunas, da história propriamente dita.
Essa primeira narrativa (intitulada “Os gafanhotos”) pode ser considerada, por sua estrutura e extensão, um conto, ao passo que o romance em si é o que vem depois, dividido em capítulos, com maior complexidade e riqueza de detalhes.
Sob o título da obra, portanto, se encontram duas narrativas que – alimentadas pelos acontecimentos vividos durante a Guerra Colonial entre portugueses e moçambicanos – retratam uma a outra e em seus contrastes revelam a procura da verdade.
Enquanto a primeira narrativa, em terceira pessoa, começa pelo casamento de Evita e Luís Alex, a segunda é feita pela voz de Eva Lopo: a Evita que, vinte anos após os acontecimentos narrados, reflete sobre esses a partir da narrativa inicial como se, apesar dos elogios que tece a esse primeiro texto, precisasse provar que esse é apenas um pálido retrato da realidade daqueles dias. Dessa realidade Eva Lopo é testemunha e como tal se posiciona ao enfatizar, ao longo de todo o romance: “Evita era eu”.
A prosa de Lídia Jorge, profundamente analítica, crítica e, por vezes, enigmática, dadas às metáforas com que se elabora, exige uma leitura atenta e também crítica para que seu conteúdo seja apreendido.
Uma bela metáfora – que pode passar despercebida por um leitor iniciante e/ou distraído – é a dos flamingos abatidos apesar de sua beleza majestosa e de sua “cor de alvorada”, apenas pelo prazer de atirar e “fazer o gosto ao dedo”. A facilidade com que são dizimados lembra a eficácia da chacina de um grupo de rebeldes moçambicanos. A frieza daqueles que atiram contra os flamingos é a mesma dos que elaboram o plano que elimina os “blacks” revoltosos, envenenados por metanol.
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Como percebe Cláudia de Sousa Dias, a metáfora de coragem e integridade utilizada por Lídia Jorge nem sempre se reconhece de imediato: apesar da fragilidade dos flamingos diante das balas que se atiram contra eles, o bando não se desfaz imediatamente, mas mantém sua formação no voo apesar daqueles que ficam para trás e se afundam no pântano. Assim também se dá com a resistência à dominação branca e à volta dessa verdadeira intriga policial, ligada aos inúmeros corpos de habitantes locais devolvidos pelo mar, é que se desenvolve o romance.
Não se trata de uma leitura “fácil” e só a recomendo a quem já é leitor habitual. Em contrapartida, é dessas leituras cuja densidade é compensada pelo tempo que dura em nosso espírito: certamente não se trata de uma história para ser esquecida.
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Beijo&Carinho,
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Crédito da imagem em destaque, aqui.
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16 thoughts on ““A COSTA DOS MURMÚRIOS” – EXPERIÊNCIA DE LEITURA”

  • QUE BOM QUE VOCÊ SE VIU TÃO MERGULHADA NA LEITURA E QUE CONSEGUIU TRANSPASSAR A REAL UTILIDADE DA OBRA MENCIONADA. ISSO É MUITO LEGAL. UMA OPINIÃO ÀS VEZES É FUNDAMENTAL, POIS MUITAS VEZES, PESSOAS JULGAM O LIVRO PELA CAPA E NEM SEQUER CHEGAM A DESVENDAR SEU CONTEÚDO. A PARTE METAFÓRICA DOS FLAMINGOS, DEVE SER UMA PASSAGEM MUITO LEGAL DE SE LER E INTERPRETAR, PELO MENOS É ISSO QUE SENTI LENDO SUA EXPLICAÇÃO. AGORA, SÓ PRA RIR UM POUCO… EU PINTO PAREDES COM MEU ESPOSO JÁ FAZ UM TEMPINHO. O FLAMINGO É UMA AVE LINDA E MAJESTOSA. PINTAR A CASA COM ALGUNS DETALHES DESTA COR, VÁ LÁ AGORA, PINTAR A CASA TODA DE COR FLAMINGO, INCLUINDO A FACHADA? Ô COISINHA FEIA QUE FICA, UAI!!! KKKK
    UM ABRAÇÃO PRA VOCÊ, CARA JUSSARA E UM ÓTIMO INÍCIO DE SEMANA. FIQUEI FELIZ POR TER GOSTADO DO BLOG DOS MEUS GATOS E DEMAIS PETS. SEJA MUITO BEM-VINDA LÁ TAMBÉM!!
    INTÉ INTÃO!!

  • Pelo que vc descreveu parece ser um livro bem complexo mesmo. Mas me lembrou outra escritora portuguesa, Inês Pedrosa que no livro Fazes-me falta intercala um e outro narrador durante os capítulos. Eu adorei. Devo gostar desse então. Mas não o vi ainda pelas livrarias. boa pedida essa.
    Beijos
    Adriana

  • Nossa, sou meio "muito emotiva" com coisas que envolvem animais, mesmo que, nesse caso, seja apenas uma história num livro! Dá pra acreditar? =O
    Sou muito besta! heheheh
    Mas achei muito interessante a história!

    E sobre o enfeite, faz mesmo!
    Quero ver como vai ficar!!! xD

    Beijo, Jussara!!!

  • Ju querida, saudade de vim nos meus cantinhos preferidos e amados! Estou de mudança de endereço, passando por um turbilhão de acontecimentos ao meu redor, correndo para fazer tudo o mais rápido possível e poder voltar aos meus horários, que tanto zelo. Minhas coisinhas estão reviradas, estou com tempo reduzido a leitura e aqui pela blogosfera, mas assim que colocar em ordem, estou anotando o nome desse livro, retornar as minhas leituras, que me acalmam!
    Uma semana iluminada, com muita paz!
    Um beijinho repleto de carinho…
    Lorena Viana

  • Oi Jussara,
    Estou fazendo uma breve visitinha para você, mas prometo que voltarei logo.
    Estou um pouco sumida do meu cantinho. Por falta de tempo. Mas nunca paro de visitar.
    E hoje descobri esse seu maravilho espaço.

    super beijo

  • Todos os sábados (das 16hs às 17:30hs), o músico Cornélio Camargo Jr., está ministrando aulas de violão erudito para maiores de 14 anos na Sala de Secretaria Municipal de Ação Social em Machado-MG. Seu projeto, intitulado “Orquestra Violonística”, tem como objetivo incentivar jovens e adultos ao erudito.

    As aulas são gratuitas. Traga seu violão e participe…

    Contatos:

    Fone: (35) 9963-0013

    E-mail: projeto.ov@hotmail.com

    Foto: http://www.saullopaes.com/wp-content/uploads/viol%C3%A3o-erudito.jpg

  • Oi, Ju,

    Fiquei muito interessada nesse livro! Durante a leitura do texto eu fui me lembrando de outros que muito me sensiblizaram, como o "O Coração das Trevas", de Joseph conrad. Pena que este não parece ser do tipo fácil de ser encontrado, mas vou procurá-lo, rsrs.

    Beijo e bom fim de semana.

  • Gente, não comentei no post, mas este livro me foi enviado por um amigo de Portugal, não sei se ele tem edição brasileira… talvez seja mesmo difícil encontrar, mas… se alguém ler, me conta o que achou, tá?
    Bjo&Carinho da
    Jussara

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