MULHERES ESCRITORAS NO BRASIL ROMÂNTICO

MULHERES ESCRITORAS NO BRASIL ROMÂNTICO
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São bem poucos os nomes de mulheres escritoras contemplados pelos manuais de História da Literatura. Isso não é de se admirar dadas as condições sociais que por séculos aprisionaram a mulher num padrão imposto de comportamento que, ao mesmo tempo em que lhe negava a mesma educação oferecida aos homens, determinava o que dela se esperava, atribuindo-lhe atividades culturalmente aceitas como femininas.  Se de algum modo a mulher fugisse aos papéis propostos, consideravam-na decaída, pensamento que refletia menos a realidade da mulher e muito mais a visão maniqueísta com que era vista pela sociedade.  
No século XIX, quando profundas transformações começaram a alterar as estruturas econômicas e sociais em todo o mundo, movimentos feministas, paralelos aos movimentos sociais, frutos do socialismo, iniciaram o questionamento do papel atribuído à mulher, reivindicando seu direito de educação e de voto.
Ao acederem à palavra escrita, as mulheres tiveram primeiramente que ler o que sobre elas havia sido escrito, além de reverem a própria socialização, para só então alcançarem a formulação do próprio “eu”, necessária para se expressarem ficcionalmente e buscarem um jeito próprio de se dizerem.
Apesar de toda a dificuldade e do longo e lento caminho a ser percorrido, quando precisaram enfrentar as consequências de se apresentarem como monstros rebeldes e não como fadas do lar, muitas mulheres escreveram nessa época na Europa e nas Américas, inclusive no Brasil.
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Nísia Floresta, nascida no Rio Grande do Norte (1810), chegou a ser repudiada pela própria família por ter abandonado o marido (com quem se casara aos 13 anos), o que não a impediu de ser educadora, fundadora de colégio, republicana, abolicionista, nacionalista, escritora polêmica em jornais da época e autora de Direitos das mulheres e injustiças dos homens, publicado em 1832, quando tinha apenas 22 anos. Nísia viajou pela Europa e faleceu em Rouen, na França, aos 75 anos, depois de ter sido admirada por figuras de renome, como o romancista português Alexandre Herculano e o sociólogo Augusto Comte, proponente do positivismo. Apesar de limitações relativas à distribuição e divulgação, a obra de Nísia teve muita repercussão e chegou a influenciar escritoras até o final do século XIX. Ana de Barandas, por exemplo, de Porto Alegre, autora de Ramalhete ou flores escolhidas no jardim da imaginação (1845), tinha ideias semelhantes às de Nísia Floresta.

Essas duas escritoras não foram as únicas nessa época que pretendia excluir a mulher do processo de criação cultural. Maria Firmina dos Reis, conterrânea e contemporânea de Gonçalves Dias, escreveu Úrsula, tido como o primeiro romance de autoria feminina no Brasil, enquanto Narcisa Amália, considerada a primeira poetisa brasileira, publicou Nebulosas (1870) e outros livros de poemas, guiando-se pelas ideias liberais, democráticas e progressistas de Victor Hugo, que influenciavam os jovens de sua geração, como Fagundes Varela que, segundo dizem, foi apaixonado por ela.

Apesar do enredo de amor de Úrsula, e de outros temas comuns ao Romantismo, Maria Firmina não trata o escravo de forma geral e abstrata, como era comum devido à escravidão; individualiza-o, ao contrário, como personagem, apresentando-o como objeto estético, o que distingue seu texto entre os da época, revelando sua postura abolicionista. Narcisa Amália, ao dedicar-se à liberdade educacional e artística da mulher e lutar para abrir seu caminho como escritora, foi acusada de atentado ao pudor e à família por ser jovem e bonita e ousar escrever e se meter em lutas políticas.

Algumas escritoras, como Delia (pseudônimo de Benedicta Bormann) (1853-1895), tiveram uma obra extensa. Delia nasceu em Porto Alegre e viveu toda a vida no Rio de Janeiro. Recebeu educação esmerada e publicou vários romances: Aurélia (1883), Uma vítima, Três irmãos, Magdalena (1884), Lésbia (1890), Celeste (1893) e Angelina (1894); alguns desses, primeiramente em folhetins. Seus temas eram a profissão e a satisfação dos desejos da mulher, o que a coloca como uma das primeiras escritoras, no Brasil, a falar da sexualidade feminina. Já a escritora Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) foi autora de vários livros de sucesso, além de jornalista, tendo participado do corpo de redatores de A semana, do Rio de Janeiro, ao lado de Olavo Bilac, Artur Azevedo e Filinto de Almeida, com quem se casou. Preocupou-se com a urbanização do Rio de Janeiro e lutou pela pesquisa de campo como ponto de partida para escrever romances. Cruel amor (1911), por exemplo, foi escrito depois de longas conversas com pescadores na praia de Copacabana.

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As dificuldades enfrentadas pelas mulheres escritoras no Brasil, antes do advento do Modernismo, quando a carreira das letras ainda era considerada “ofício de homem”, não as impediram de escrever, ainda que essas escrituras nascessem dos “cadernos-goiabada” – denominação dada por Lygia Fagundes Telles aos diários mesclados a pensamentos e receitas culinárias, utilizados pelas mocinhas antes do casamento e transformados, depois disso, no seu único espaço de liberdade, onde podiam registrar uma ideia ou um sonho. De cadernos de anotações assim é que surgiu uma Ana Lisboa dos Guimarães Peixoto Bastos, em Goiás Velho, em 1889, a Aninha, que cursou somente o primário, fez nome e ganhou a vida como doceira, mas poetara desde os 14 anos. Aninha morreu em 1985, com o nome de Cora Coralina e o título de doutora honoris causa pela Universidade de Goiás, imortal pela Academia Goiana de Letras e premiada como poeta e ficcionista com o troféu Jabuti e com o prêmio Juca Pato de intelectual do ano em 1984.
Se os nomes de grande parte dessas escritoras são ainda hoje desconhecidos, inclusive nos círculos acadêmicos, não será em razão da pouca qualidade do que escreveram, já que muitas delas conviveram com intelectuais de sua época e abordaram em seus textos preocupações legítimas de seu tempo. O preconceito quanto aos papéis femininos é que impediu que seus nomes fossem arrolados nos livros de História da Literatura.
Resta indagar se no momento atual, quando temos um Dia Internacional da Mulher e pesquisas acadêmicas são desenvolvidas em torno da questão do feminino e seu discurso, o cânone continuará privilegiando apenas os nomes de escritores homens e a ignorar os das primeiras mulheres que se lançaram na aventura da escrita.
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Beijo&Carinho,
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Crédito da imagem em destaque, aqui.
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16 thoughts on “MULHERES ESCRITORAS NO BRASIL ROMÂNTICO”

  • Querida Jussara!
    Que texto lindo, precioso e profundo você nos traz hoje,minha amiga! É realmente incrível a saga das mulheres escritoras brasileiras,que mesmo enfrentando tanto preconceito e dificuldades de sua época,foram mais longe e conseguiram deixar suas marcas no território literário brasileiro.
    Confesso que desconhecia o nome de muitas delas, mas tudo isso apenas aumentou o meu fascínio e admiração por elas! Fiquei aqui imaginando as suas lutas, a falta de compreensão pela sociedade da época e as possíveis humilhações que sofreram… E por serem mulheres diferenciadas na alma,com sensibilidade e alcance intelectual muito além do seu tempo, imagino a culpa e a angústia que carregaram ao longo de seus difíceis caminhos.
    Sei que muito tempo já se passou, e muitas conquistas foram já alcançadas pelas mulheres modernas… Mas não podemos negar que a luta,na realidade, ainda continua, e muitos preconceitos ainda são usados contra as mulheres… Mas penso, com certo orgulho e esperança, nessas nossas "heroínas do passado", que de forma pioneira e até revolucionária, abriram caminhos para as nossas novas gerações… Que elas possam sempre ser lembradas e reverenciadas,com carinho e respeito, nos nossos corações.
    Lindo post, Jussara, e obrigada por compartilhar esta importante e bela estória conosco!
    Beijos doces pra ti!!!
    Teresa
    ("Se essa lua fosse minha")

  • Oi Jussara… Lindo texto, lindas imagens, mas mais do que isso, você me apresentou à essas mulheres tão fortes, tão determinadas a não aceitarem o lugar que lhes impuseram e a lutar por suas causas… sinceramente ouvi falar de poucas dentre as que foram citadas em seu texto e concordo com você, elas não tem seus nomes lembrados, citados na literatura! Parabéns pela sensibilidade! Feliz dia das mulheres para você, todos os dias. Beijos, Pri!

  • É…não sou mesmo muito versada nesses meandros… Como me custou "entrar' nesse espaço de comentário! Já estava quase desistindo, mas aí… senti-me envergonhada diante dessas mulheres que você tão bem nos apresentou (e confesso, envergonhada de novo, que desconhecia algumas)e de voc~e, mulher forte, corajosa, escritora-poeta!! Obrigada por nos enriquecer sempre…
    E que delícia de quitanda portuguesa que deixou gosto em minha boca…
    Jussara: meu abraço cheinho de afeto e de uma grande vontade de que minhas palavras lhe levem meu incentivo, meu afeto. Deus a abençoe sempre, a você, a todos os seus!

  • Vir aqui é sempre fonte de cultura!
    Nós mulheres já vencemos muitas barreiras, mas muitas outras ainda deverão ser vencidas.
    Somos discriminadas ainda, infelizmente e isso é fato!
    Precisamos continuarmos dicutindo tudo o que vise a diminuição do preconceito, das desigualdades e que mostre a importância do papel da mulher diante da sociedade.
    Um beijo e uma ótima semana.

  • Oi Ju!
    Ainda não li o post, estou estudando pra um concurso que vou prestar semana que vem e por isso o tempo tá curto! Mas tô passando só pra dxar um abraço! =) ótimo restinho da semana, fica com Deus!

  • Oi Jussara, é a Vi, estava viajando pela historia dessas mulheres, você escreve tão agradavelmente que é como boiar em águas calmas e cristalinas.
    Gostei dados cadernos-goiabadas, porque observei que muitos blogs tem essa finalidade.
    muitos beijos,Vi

  • Jussa, tive uma verdadeira aula de história hoje!! A única escritora que conheço, das que você citou, é nossa amada Cora Coralina. De fato, parece existir até nos dias atuais, um certo tipo de preconceito com relação às escritoras e poetisas em geral. Mas, penso também, que este preconceito vai mais além e não é por parte da mídia em geral, mas, sim, por parte dos leitores, principalmente com relação à poesia. Tenho comigo que, o povo brasileiro em geral,que já não é muito de ler, tem aversão à poesia. O que é uma pena. Para eles, é lógico!

  • Cecinha, Vanessa e Sarah – obrigada, amigas, por estarem aqui comigo. Vanessa, amei o comentário: "mulher é muito injustiçada… e são tão melhores!"… Hehe… muito bom!

    Vi – alegra-me demais saber que meu texto é recebido dessa forma tão agradável. Adorei seu comentário sobre os blogs servirem hoje aos mesmo propósitos dos cadernos-goiabada do passado. Não é que é verdade?

    Sidnei – Concordo com você. O brasileiro lê pouca poesia. Isso fica visível nas livrarias, onde os livros de poesia ficam nos estantes mais inacessíveis, nos lugares mais escondidos. É uma pena!

    Abraços a todos!

  • Ótimo artigo Jussara, esse é sem dúvida um tema importante que deveriam abordar com mais frequência, vou recomendar para as minhas amigas, muito bom

    • Muito obrigada, Maria Helena! Diria que é essencial, sim, para quem tem interesse em acompanhar a evolução da escrita feminina no Brasil. Fico feliz que tenha gostado. Abraço!

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